Um bacurau e seu relógio adiantado
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Por: DIÁRIO DA MANHÃ, Publicado em: sexta, 31 de maio de 2024

Canal do guarda noturno

Estaciono a uns quatrocentos metros do prédio. Visto um blusão jeans escuro e naquele esquisito ando um pouco mais afastado das calçadas, atitude que achei necessária como possibilidade de rápida resposta em um encontro indesejado com algum gatuno, aumentaria meu campo de fuga. Passei pela Praça e nada de gente nas ruas. Ao descer a ladeira, das duas esquinas que cruzam a rua em que estava foram chegando dois homens que andavam lentamente como se passeasse pela cidade contemplando os transeuntes de um lado para o outro e as lojas abertas em pleno horário de pico. Andando pelo canteiro central, diminuí a minha passada e em uns vinte segundos rezei um Pai-Nosso e duas Ave-Marias. O coração acelerou. Ali eu poderia estar indo diretamente a uma encrenca grande. Pedi a Nosso Senhor a graça de me livrar daquela enrascada. Os céus davam os primeiros sinais de que o ocaso viria em breve, já não era tão escuro. Observo o horizonte, aquilo para mim foi um sinal de esperança. É quando o reloginho de pulso deu tilintadas, tocava o alarme das cinco horas. O que mais faltar acontecer?

 

Meu Deus e se estiverem armados? Pensei em correr voltando, foi quando o fato de estar com arma povoou minha mente e tomei uma decisão: vou insinuar que estou armado, se “comerem” a sugesta, é porque devem possuir apenas uma faca, um punhal. Com uma postura altiva, rosto levantado e semblante sério (com um certo andar a la mafioso), balanço o pulso direito como a ver o relógio e o mesmo braço levo por dentro do casaco ao meio das costas. A partir dali pensei: – Meu Deus, agora é tudo ou nada!

Vou aumentando meus passos, encaro um depois o outro e quando repito o ato eles se entreolham, baixam a cabeça e dão alguns passos atrás. Passo a uma certa distância de cada um e depois de ver que caíram no blefe, acelerei meus passos. Já há uns oitenta metros de ambos era difícil manter o disfarce, com a mão ainda atrás eles entenderam que nenhuma arma ali existia, mas isso já tinham se passado uns cem metros. Corri até o velho prédio histórico que fica de esquina, batendo a porta com desespero. Olho para trás e vejo os dois larápios correndo em minha direção. O vigia abre a porta, eu entro e fecho com rapidez. Pelos vidros vi duas réstias que exclamavam todo tipo de impropérios, eram eles revoltados por terem sido feitos de besta e a oportunidade que perderam de roubar fácil pelo menos um celular e algum dinheiro. Ufa! Deus me salvou, deu o livramento. Para os dias seguintes tomei atitudes das mais variadas para não tomar algum revés.

 

Passado todo esse tempo, vez por outra quando acordo na madrugada e ouço os bacurais em suas motocicletas, fecho os olhos e toda a cena vem com detalhes em minha cabeça relembrando um episódio curioso, perigoso, mas também engraçado.


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