Gente. Muita gente. Istambul é fervilhante, principalmente no verão. Além dos seus 16 milhões de habitantes recebe cerca de 20 milhões de turistas por ano; quer dizer que a cada dia 56 mil pessoas entram na cidade. E pisam num local único no mundo, com um pé na Europa e outro na Ásia. Abrigou Constantinopla e a capital do império Bizâncio. Ou seja, a história vem sendo escrita ali desde cerca de 657 antes de Cristo. Então, dá para imaginar algumas ricas heranças arquitetônicas e históricas, e não à toa, sempre se descobre, em escavações, algo por lá.
Chegamos a Istambul vindos de Barcelona num voo da Turkish. Sentamos nas últimas poltronas, aquelas do final do avião, que não reclinam. Tudo bem porque o voo era diurno, cerca de 3h30. Mas da janela de onde estávamos pudemos ver como a bagagem era “tratada”, provavelmente por um funcionário da Turkish. Sim, é como mostram alguns vídeos que assistimos no celular. É jogada mesmo. Ao final do voo, no trecho que fizemos de Istambul a Capadócia pela Turkish vimos o resultado: uma mala destruída. Isso aconteceu dia 18 de julho e até agora, momento que esta matéria está sendo postada, não tivemos uma solução.
İstiklal Caddesi.
Segurança
É perceptível ao chegar a Istambul a preocupação com a segurança. Não só pela posição geopolítica do país, mas pelos ataques terroristas. O raio x é minucioso, assim como o controle da alfândega, com longas filas. E não é exagero.
Embora o movimento, andar pelas ruas é tranquilo, não se percebe muito policiamento, mas vários edifícios estão protegidos por barreiras e alguns sempre com um carro de polícia.
Polícia de tráfego.
Mas a preocupação com a segurança interna é extrema. Você verá isso ao retornar ao aeroporto. Todos os veículos são revistados, inclusive os porta-malas. Ao entrar no aeroporto, também tem que colocar todos os pertences para passar no raio X. E, depois, tudo passa novamente pelo raio X para ir à área de embarque. Detalhe: pessoas sem bilhete de voo não entram nos aeroportos.
Sobre a questão religiosa: se antes em Constantinopla o que prevalecia era o cristianismo, o que se vê agora em Istambul é, para quem não está acostumado, uma quantidade enorme de mesquitas. O Islã é seguido pela maioria da população. Um trabalho da ACN International (Aid to the Church in Need) aponta que 98,39% da população é de muçulmanos e cristãos são 0,21%.
Não é difícil ver uma mesquita próxima à outra, como no caso da icônica Santa Sofia ou Hagia Sophia, antes católica, agora mesquita, por ato do governo em 2020. Está a poucos metros de distância da Mesquita Azul (Sultanahmet Camii). Nos vários momentos de oração, os autofalantes de uma e de outra se alternam. Veja e ouça nesse link.
E os sons das orações vão ser seus companheiros no dia a dia porque em qualquer ponto de Istambul a que se vá, terá uma mesquita. A oração dura uns minutos e as músicas dos bares param, mas não vi ninguém se ajoelhar, por exemplo. Atenção: álcool é proibido próximo às mesquitas. Então, esqueça. Não vai poder tomar seus drinks nas imediações. Mesmo porque não há. Só chá, que eles tomam como no resto do mundo se bebe cerveja.
Além dessas duas mesquitas, tem a que eles chamam de “nova mesquita”, a Yeni Camii, de 1597. Tem 427 anos.
TURISMO: Se encante com os museus de Barcelona
Só liras turcas
Bem, não pense que num final de semana você conhece Istambul. São muitos e muito atrativos; roteiro de apenas três dias será insuficiente. Pode conversar com qualquer pessoa que já foi para lá e lhe dirá que, no mínimo, é preciso ficar cinco dias na cidade. Se puder ficar mais, fique, pois tem muita coisa para ver.
Importante: não se aceitam euros na Turquia e é muito difícil fazer pagamentos com uma conta digital por aproximação. Cartões de crédito são aceitos, mas antes de fazer uma refeição ou compra, é melhor perguntar. Nada pior que uma discussão em turco: você não vai entender nada. A língua é difícil e poucos falam inglês. Então, é na base do gestual e ver no que dá.
No dia 15 de julho, uma segunda, com US$ 1 se compravam 33 mil liras turcas; com € 1, 35.500 liras turcas e com £ 1 (libra esterlina), 42.750 liras turcas.
Sempre falo nos meus textos que, para se conhecer uma cidade, é preciso caminhar. E Istambul exige muita caminhada. Sonia e eu nos juntamos a Renata, irmã de Sonia que mora na Turquia há mais de dez anos, e o celular dela tem um aplicativo para contar passos. Na nossa maratona pela cidade alcançamos a marca de 47.490 passos, o que dá 36,1 km.
Hagia Sofia
A Hagia Sofia (Sagrada Sabedoria em tradução) tem que ser visitada. É como ir ao Rio de Janeiro e não ver o Cristo Redentor. Mas não pude entrar: estava de bermuda. Também há restrições para mulheres, claro: braços, cabeças e pernas devem estar cobertos. E só se entra descalço, seu calçado fica fora, e isso vale para todas as mesquitas. Mas convenhamos que não é razoável andar em Istambul com calça no verão quando os termômetros passam, fácil, dos 35ºC com umidade do ar muito alta. Não dá para compreender como conseguem viver as mulheres com aquelas burcas (enquanto seus maridos vão ao seu lado com bermudas, camisetas e chinelos).
O que fazer
Tem muita, mas muita coisa para visitar em Istambul. Afinal são mais de 2,6 mil anos de história. Certeza é que o celular vai ficar com muitas fotos.
Não estranhe ao visitar mesquitas, museus ou outros lugares turísticos, se fizerem revista em você, sua mochila e passar por detector de metais. Mas a boa garrafa d’água precisa ser sua melhor companhia. As temperaturas turcas são muito altas no verão.
Outro passeio obrigatório é bater perna na İstiklal Caddesi, a mais famosa rua de pedestres de Istambul. São quase 3 km onde o policiamento é mais ostensivo e onde tem todo o tipo de comércio – aliás, não tem espaço vazio, está tudo tomado – lojas, casas de câmbios e restaurantes, incluindo Burger King e McDonald’s. Mas vale mesmo é se aventurar nos restaurantes típicos. No nº 48 tem o Merdo Midye Kokoreç, especializado em mexilhões. Peça o Midye Dolma lanche popular na Turquia. É um marisco na concha recheado com arroz e especiarias. Ele é servido acompanhado de luvas porque é para ser comido com as mãos e, quem gosta, come vários. Sonia aprovou. Principalmente o condimentado.
Soslu Midye do Merdo Midye Kokoreç.
Passeando, encante-se com as lojas de doces, dentre elas a Hafiz Mustafa funcionando desde 1864. Tem a Koska também, um pouco mais nova, de 1907. É de ficar com água na boca.
Os doces da Koska.
Na rua está a Igreja de Santo Antonio de Pádua. Aproveite fiz uma oração. Linda!
As casas de banho turco são tradição na cidade. Na Kuloğlu, Turnacıbaşı Cd, 48 em Beyoğlu, está no mesmo endereço há 570 anos a Ağa Hamamı e está a poucas quadras da İstiklal Caddesi.
E essa é uma característica da cidade: comércios que estão funcionando há muitos anos.
Palácios
Local das decisões do Império Otomano, o Palácio Dolmabahçe é um espetáculo de 45 mil m² de área, com 46 salões e 456 quartos. Foi ali que faleceu o fundador da República Turca, Kemal Atatürk. O quarto onde morreu está preservado e um relógio está parado na hora de sua morte: às 9h05 de 10 de novembro de 1938. Se estiver com tempo, pegue um audioguia para aproveitar melhor a visita. Aberto, menos às segundas, das 9h às 16h. Fotos e vídeos são proibidos. O palácio mais bonito de Istambul, na minha opinião. Entrada: 1.250 liras turcas.
Palácio Dolmabahçe.
Outro palácio que não pode ficar fora da lista é o Palácio de Topkapi, apenas 5 minutos a pé da Hagia Sophia. Só para dar um número: o Topkapi está numa área de 700 mil m². São quatro pátios para visitar, vá preparado para ficar um bom tempo. Levou 18 anos para ser construído (1460-1478) depois que Constantinopla foi conquistada em 1453 pelo sultão Mehmed II, e é uma das marcas do Império Otomano.
A visita é acessível. Fica aberto entre 9h e 17h30 e a entrada custa 1.500 liras turcas. Importante: não jogue o ingresso fora depois de entrar no Palácio porque o tíquete é solicitado para visitar o harém, que fica separado do prédio principal. O Palácio Topkapi recebe mais de 2 milhões de visitantes por ano.
O que você vai ver é a opulência de como vivia um sultão. O Palácio tem áreas bem divididas para todo tipo de serviço: cozinha, sala de audiência, harém e alas residenciais.
O prédio do harém no Palácio de Topkapi.
Muito além da sua construção e história, o Topkapi tem uma impressionante coleção de peças de porcelana, ouro, vestimentas da época e muitos mais. Aliás, ouro é o que não falta em todos os cômodos.
Dos anos 500, a Yerebatan Saray ou Cisterna Basílica é maravilhosa. Não deixe de visitar. Este reservatório fazia a distribuição de água em Istambul. É preciso descer 45 degraus para chegar a um cenário deslumbrante – e enorme. Ali era possível acumular 100 mil m³ de água, num espaço de 140 metros por 70 metros com 9 metros de altura e 336 colunas. Para quem gosta de fotos instagramáveis, um prato cheio. Deslumbrante.
Yerebatan Saray ou Cisterna Basílica.
Os fãs de Agatha Christie podem visitar o Pera Palace Hotel, local onde passageiros do trem Oriente Express ficavam hospedados. Tem a história, ou seria lenda, que no quarto 411 a autora escreveu ou teve a ideia de colocar no papel o livro “Assassinato no Expresso do Oriente”. E Agatha não foi o único hóspede célebre desse hotel de quase 130 anos: Ataturk usava o quarto 110, transformado em museu. Se não puder se hospedar, pelo menos tome um café no hotel. Ali, no jardim.
Várias empresas oferecem passeio pelo Bósforo. A indicação é fazer no pôr do sol. É um cenário muito bonito e bom, também, para fotos. O que fizemos custou 150 liras turcas. Entramos no barco às 18h30 e voltamos às 20h05 quando fomos ao Galataport, o Porto Madero deles, espaço que une comércio e gastronomia. Nossa opção foi pelo rooftop (tem muitos) do Zimmer Hotel que tem no seu último andar o Lulu, um lounge bar e restaurante muito bons. A vista é incrível. Impagável ver Istambul e o Bósforo iluminados de cima.
Mercados
Imperdível e inevitável são dois mercados: o Gran Bazar e o de bazar de especiarias. O Grande Bazar abriu as portas em 1461 (são 563 anos de comércio). São vários corredores, centenas de lojas e outro infinito número de vendedores turcos.
Não é incomum você ouvir a frase pronunciada em inglês “dá uma chance para mim”, como a implorar para você fazer uma compra. Só que ao se arriscar ver um produto mais de perto ou se interessar por ele, aguarde: vai se iniciar uma conversação interminável do lojista tentando vender sua mercadoria. Apelos do tipo “quanto você pode pagar” vai ouvir mais de uma vez. Acho que para eles, se você mostrou o mínimo de interesse, não vai sair da loja sem uma sacola. E a infinidade de produtos atrai mesmo e você vai ter que avaliar muito bem o que caberá na sua mala para não exceder o peso.
Estávamos passando por um corredor do Grande Bazar e Renata viu uma loja de tapetes com uma bandeira do Brasil. Comentou conosco e logo veio um vendedor e pediu para entrar na loja. Só conseguimos sair depois de muito barganhar, com Renata à frente da negociação falando em turco, e o vendedor insistindo dizendo para a Sonia em inglês “quanto pode pagar, faça uma oferta”. Foram feitas mais de três e não teve jeito, compramos um tapete, embalando num tempo recorde. O pacote foi nosso companheiro de viagem até voltarmos ao Brasil.
O vendedor feliz por ter feito uma venda.
O mesmo acontece no Bazar das Especiarias, só que, ali, o aroma é inebriante. A mistura dos cheiros das várias ervas, temperos, sementes, chás e outros produtos turcos deixa qualquer um que aprecie uma boa comida com vontade de comprar tudo. Não pode deixar de ser visitado e peça para experimentar os diversos sabores de chás. Claro que compramos alguns.
Bazar das Especiarias.
Como se locomover
Você pode passear em Istambul de ônibus, metrô, ferry (se quiser passar de um continente para outro) e, lógico, táxi. Os transportes públicos exigem compra de cartão e os táxis são seguros.
Existem dois funiculares em Istambul. Um deles, a linha Taksim-Kabatas, com um vagão que liga as áreas alta e baixa de Istambul. Em cerca de 2 minutos ele sobe, ou desce, 573 metros e é uma ajuda para evitar uma caminhada ou gastar com táxi. Começou a funcionar em 1875.
Nossa hospedagem
Foi difícil encontrar um hotel para ficar em julho. Alta temporada, os preços estavam estratosféricos. A oferta é grande, mas como Istambul é uma das cidades mais visitadas do mundo, encontrar um hotel com custo-benefício demora. Ficamos no Ferman Pera Hotel, no bairro Beyoğlu, de compras e vários restaurantes e a cerca de 2 minutos a pé da rua Istiklal. E olha, mesmo com a Renata que morou alguns anos em Istambul, foi difícil encontrar o hotel. O Google Maps não ajudou (e como vimos turista com cara de “perdido” e celular na mão em Istambul…).
Ferman Pera Hotel.
O hotel serve para a proposta de um bom hotel para dormir, com boa cama e bom chuveiro e – muito importante – ar-condicionado funcionando. Fica numa construção restaurada que abriu como hotel em 2018 com 38 apartamentos.
Importante
Não é recomendável tomar água da torneira.
Facilita muito a visita a Istambul a aquisição do MuseumPass Türkiye ou Müse Kart. A compra permite entrar em vários museus e sítios arqueológicos que pertencem ao Ministério da Cultura e do Turismo da Turquia (são mais de 350 opções no país), evita fila e custa € 165 (R$ 1 mil) sendo válido por 15 dias.
Se alguém propuser o aluguel de carro em Istambul, esqueça. O trânsito é pesado, caótico, muitas ruas estreitas e encontrar um lugar para estacionar é como achar uma agulha num palheiro.
Apesar de não encontrarmos animosidade, mesmo com a Renata ao nosso lado falando turco, em algumas ocasiões que pedimos informações, os locais não sabiam dar a indicação. Parecia de propósito. Mesmo informações de lugares que sabíamos turísticos. Então, é muito, mas muito mesmo, necessário contratar um guia para aproveitar sem preocupações a bela cidade de Istambul.
O cônsul Pedro Bório que nos ajudou em Barcelona a encontrar a loja Vicenç Piera, indicou duas guias brasileiras:
Claudia Demasi Benbassat é a primeira guia brasileira formada pelo Ministério de Turismo da Turquia. Ela trabalha com tours privados voltados ao interesse e perfil do cliente, fazendo desde a sugestão de hotéis em áreas de fácil acesso, a aluguel de minivan, barco, passagens aéreas, “enfim tudo que envolva turismo”, diz ela.
Nathalia Haas, licenciada pelo Ministério da Cultura Turca, é guia em Istambul, onde está desde 1990. Além do português, fala inglês, alemão, espanhol e turco e tem um guia muito interessante, em pdf com 328 páginas, sobre Istambul com tudo o que você pode imaginar e que foi atualizado agora em agosto.
Jean Luiz Féder, jornalista, associado à Abrajet-PR
Fonte: https://nowboarding.com.br/constantinopla-e-bizancio-ainda-vivem-na-incrivel-istambul/