A importância do Patrimônio Azulejar de São Luís para a vida cultural de seus habitantes
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Por: DIÁRIO DA MANHÃ, Publicado em: segunda, 09 de setembro de 2024

O azulejo teve sua origem em civilizações orientais antiguíssimas, atribuindo-se sua utilização em construções e monumentos na China, Índia, Mesopotâmia, Egito, etc., há 7,000 anos. No século XI, os árabes invadiram a Península Ibérica e desenvolveram a técnica de produção de azulejo, influenciados pela porcelana chinesa milenar.

A confecção de azulejos em Portugal teve início em meados do século XV e aumentou progressivamente devido à grande procura. Houve profundas transformações na azulejaria portuguesa, a partir do Século XVI, utilizando-se a técnica majólica de influência ítalo-flamenga, com expressão artística decorativa de motivos locais e das viagens dos descobrimentos. Nesse período o Brasil recebeu o conjunto mais antigo de azulejos que possuímos.

 

Durante o período de expansão ultramarina, os lusitanos levaram consigo o idioma, a religião, hábitos de vida e o padrão cultural, para as colônias mediterrâneas e atlânticas. A azulejaria, no século XVIII, fez parte da cultura dos continentes africano e americano. Assumiu grandes proporções nas artes ornamentais e decorativas com integração do azulejo nas construções arquitetônicas de palácios e igrejas com painéis historiados, narrando cenas da vida de santos, profanos, caçadas, contos de batalhas, a vida da nobreza e outros, envolvidos com molduras de rica decoração de influência barroca, onde predominam as volutas, pilastras florais, etc… que se constituem importantes documentos iconográficos. Nesse período foi utilizada a figura avulsa, azulejos azuis e brancos com motivos independentes, florais, pássaros, animais, barcos, figuras humanas, etc. A produção de azulejos dessa época destinava-se a revestir superfícies interiores, algumas vezes decoravam pequenas áreas exteriores: jardins, varandas, escadas externas e raramente azulejavam fachadas.

 

O azulejo português de revestimento exterior começou “a sair à rua” no século XVII, revestindo os majestosos jardins do Palácio do Marquês de Fronteira, isto foi apenas em “caráter excepcional”. No início do século XIX deixou de ser um privilégio só de interiores e passou a valorizar com sua beleza e arte, os revestimentos arquitetônicos externos. Nesse período, ocorreram mudanças econômicas e políticas importantes em Portugal, a exemplo da invasão francesa, da fuga da corte portuguesa para a colônia, da independência do Brasil, da abertura dos portos brasileiros ao comércio internacional e da guerra civil. Tudo isso alterou a produção de azulejos portugueses com o fechamento de fábricas.

 

O reflorescimento do azulejo para decorar superfícies externas, coincidiu com a vinda da família real para o Brasil em 1808, garantindo-se aqui seu sucesso no “novo uso”. Proporcionou suntuosidade à fidalguia elitista, gerando polémica entre os historiadores da arte azulejar, onde primeiro utilizou-se o azulejo para revestir fachadas, se no Brasil ou em Portugal. O certo é que, no Brasil, essa técnica se desenvolveu compatível com o clima tropical: quente e úmido, salino e outras vantagens como refletir os raios solares, evitar infiltrações, pinturas repetitivas, manter estética, higiene, além da arte e cintilação das fachadas decoradas.

 

O hábito de azulejar exteriores retornou a Portugal, pelos “enriquecidos brasileiros”, portugueses que fizeram fortuna no Brasil e regressando à terra natal recorreram ao “seu gosto” de azulejar fachadas, exteriorizando o poder econômico, embelezando as moradas com azulejos, são atitudes saudosistas das plagas brasileiras. O primeiro revestimento bem ao “jeitinho brasileiro” provocou um “repelente escândalo” na cidade de Porto, quebrando a monotonia da rua e perturbando com seu brilho e cor, os transeuntes. Lentamente o hábito cultural de azulejar e refletir a luz do sol, como em “São Luis do Maranhão”, fez parte da exuberante paisagem urbana. “Afinal valeu a pena”.

Os revestimentos de fachadas iniciaram-se com azulejos brancos, destinados ao interior, como cozinhas, banheiros, corredores, etc. Foi então que surgiram preocupações decorativas com azulejos de padrão policromados, que deram origem ao tapete, uma repetição de padrões. São combinações formadas de 2X2, 4X4 nas composições mais simples e 6X6 até 12X12 nas padronagens mais complexas, de acordo com a escala a que se destinam.

No Brasil os azulejos de fachadas estão localizados no litoral de norte a sul. Belém, São Luís, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Porto Alegre e outras cidades, com menor intensidade. A grande concentração em azulejaria de fachada está em São Luis e Belém; estas cidades são superadas apenas por Lisboa. A capital maranhense é “conhecida como a cidade de maior acervo de azulejos coloniais da América Latina.

Com o desenvolvimento sócioeconômico do Estado do Maranhão no século XIX, surgiu um conjunto arquitetônico peculiar que resgata as raízes culturais portuguesas com o gosto de azulejar fachadas. Segundo o historiador Domingos Vieira Filho, o primeiro registro de remessa de azulejo em São Luís data de 1778, quando chegaram cerca de 107.402 unidades.

Com a Independência do nosso país, em 1822, as relações comerciais entre o Brasil e Portugal se estabeleceram. A partir de meados do século XIX, o Maranhão intensificou a importação de azulejos portugueses, contudo, outros países como Espanha, Holanda, França e posteriormente Inglaterra, Bélgica e Alemanha forneceram os azulejos já industrializados para compor fachadas de São Luís.

O primeiro registro do número de edifícios com superfícies exteriores revestidas com azulejos antigos em São Luis, foi elaborado por Dora Alcântara, em 1959, que catalogou 270 fachadas azulejadas, em 1968, vinte destas haviam sido demolidas e outras substituídas por padrões novos nacionais. Em 1972, a pesquisadora atualizou o cadastro, encontrando apenas 221 edificações azulejadas, sendo 88 sobradões e 133 casas térreas. Duas estavam em processo de demolição, enquanto em outra os azulejos estavam pintados. Nesse trabalho foram catalogados 144 padrões, 15 cercadura e 39 frisos diferentes. O pesquisador Olavo Pereira da Silva, em seu levantamento de 1973 a 1986, contabilizou somente 177 fachadas revestidas com azulejos.

O Inventário de Azulejaria de São Luis, realizado de janeiro a maio de 2004, por Técnicos Especialistas em Conservação e Restauro de Azulejos e formandos em Arquitetura, registrou 423 imóveis com azulejos dos séculos XVIII, XIX e início do século XX, compondo os revestimentos tanto no interior como no exterior à arquitetura aplicados de várias formas e locais, sendo catalogadas 213 fachadas, 181 totalmente revestidas e por razões desconhecidas da equipe, 3 fachadas incompletas ou parciais; foram localizadas 245 aplicações diversas, entre estas 80 no interior dos prédios e 165 em outros procedimentos parietais.

Os revestimentos localizados na Arquitetura do Centro Histórico de São Luís estão distribuídos em diversos tipos de aplicações, segundo a nomenclatura utilizada: 3 Painéis Figurados, 12 Tarjas, 36 Silhares, 98 Adornos Isolados; 36 adaptações em espelhos de escadas, rodapés, barra, e 213 Tapetes de fachadas. Este acervo forma 139 padrões de azulejos, 29 cercaduras emoldurando 79 fachadas, 59 frisos, guarnecendo 164 revestimentos; ainda foram catalogados 84 registros devocionais entre antigos e novos, com figuras de santos.

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O conjunto azulejar de São Luis é um raríssimo tesouro de formas, decorações e cores. É uma exposição de Arte, que reveste os casarões antigos embelezando as ruas de pedras e ladeiras desta cidade equatorial, onde o sol reflete o brilho das paredes, enquanto as escadarias, sacadas e peitoris contam sua história cultural, remontando um período distante de bom gosto pela arte. Os padrões formam os tapetes e as fachadas, uma coleção de azulejos ornamentais expostos permanentemente nos revestimentos de São Luis, inspirados na criatividade de artesões e artistas de vários países do velho continente europeu, mas predomina o gosto lusitano pela arte cerâmica.

 

Se a população despertar, antes que seja tarde demais, contemplará nas paredes de suas casas, nas ruas de sua cidade e nos casarões que estão ruindo, os azulejos decorados com as mais belas flores cultivadas nos jardins da Inglaterra, Bélgica, França, Alemanha, Espanha, produzidos por seus melhores operários e artistas; reconhecerá a técnica e leveza dos traços holandeses, identificará o conjunto com mais de cem padrões diferentes da arte portuguesa. Quando os ludovicenses tiverem consciência dessa herança valiosa, então terão orgulho de sua cidade e toda a sociedade será mobilizada: os meios de comunicação, comércio, indústria, imobiliária e o patrimônio serão tratados com dignidade e respeito.

 

A azulejaria é o símbolo cultural e arquitetônico de São Luís; e a cidade, referência nacional de azulejo de fachada. Poucos compartilham da riqueza desse patrimônio artístico e não conhecem a importância, que este espólio representa à vida cultural de seus habitantes. O grande desafio é impedir as agressões que o conjunto arquitetônico está sofrendo; atacar as causas de deterioração, que comprometem as estruturas das edificações e o revestimento azulejar: infiltrações, vegetações, insetos, microrganismos e, os piores problemas, vandalismos e negligência de todos os tipos e espécies. Azulejos do século XVIII são quebrados a marretadas e jogados nas lixeiras públicas em reformas de prédios antigos, saque de silhares completos tem ocorrido em plena luz do dia, de sobradões arruinados também seticentista cujas peças são vendidas por vândalos no comércio negro”.

 

Segundo estimativas estatísticas fundamentadas em pesquisas anteriores, o patrimônio urbanístico cultural do centro histórico de São Luís está perdendo aproximadamente 2 casarões com fachadas azulejadas por ano, além do desgaste das peças decoradas pelas ações das intempéries e vandalismos. Não estão contabilizadas as perdas de revestimentos interiores, por não existir registro exato deste acervo. É difícil inventariar azulejos de interior das propriedades privadas e coleções particulares.

Estão caracterizadas e identificadas as síndromes dos males, que atacam o patrimônio azulejar; carecem urgentemente de decisões políticas concretas, honestas e objetivas para resgatar o conjunto arquitetônico, restaurar e conservar prédios e fachadas azulejadas Urge, então, punirem-se vândalos e negligentes; desburocratizar instituições fiscalizadoras, federais, estaduais e municipais para que haja integração e coerência desses órgãos em defesa dos bens culturais; agilizar as descase apreensões de objetos de arte e materiais do patrimônio histórico: treinar e habilitar construtores, mestres-de-obra e operários para identificar e manusear obras de artes encontradas em escombros e reformas de prédios, sítios históricos e áreas arqueológicas. São Luís agradece aos “os bens aventurados”, que cuidam da preservação de seu patrimônio arquitetônico cultural para que as futuras gerações possam usufruir dessa herança histórica.

Texto: Domingos de Jesus Costa Pereira

*Químico Industrial, Bacharel e Licenciado. Especialista em Azulejaria, Pesquisador e Escritor.

Fonte: https://jpturismo.com.br/a-importancia-do-patrimonio-azulejar-de-sao-luis-para-a-vida-cultural-de-seus-habitantes/


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